O dispositivo que permite a revogação de um mandato, também conhecido como “recall político”, foi introduzido nos EUA em 1911. Copiaram o que já existia na Suíça para tentar salvar o sistema representativo daquele país. E funcionou. O primeiro estado a adotar o recall nos EUA foi a Califórnia e, gradualmente ao longo do inicio do século XX, os outros estados adotaram o mecanismo em suas constituições estaduais até chegar nos estados mais antigos da costa leste. A figura abaixo mostra a tocha da liberdade nos estados do oeste, que tinham o recall, e os do leste, que não ainda não tinham esse mecanismo.
Ao contrário do que muitos pensam, esse mecanismo não faz com que mandatos sejam interrompidos a todo momento. Desde sua introdução houve poucos casos em que ele foi utilizado. Seu uso só foi aumentar em 2007, quase 90 anos após sua criação. Graças à crise econômica surgida no final do segundo mandato de George W. Bush, o número de recalls saltou para mais de 200 por ano, e tem permanecido nesse patamar desde então. Embora pareça um número grande, é preciso lembrar que ele é válido para qualquer cargo público, não só para o Congresso Nacional. De acordo com o US Census em levantamento feito em 1992, haviam 513.200 mil oficiais eleitos no país. Ou seja, o recall atingiu anualmente 0,37% do total eleito. Muito pouco.
Diferente do impeachment, a revogação de mandato não requer abrir um processo criminal, que como acompanhamos no processo brasileiro de 2015 e também nas denúncias contra o presidente Michel Temer, são complexos, traumáticos e custosos.
No recall basta que o eleitorado perca confiança. Quando isso acontece, um percentual de assinaturas de eleitores indignados é o suficiente para convocar novas eleições para um cargo específico. O processo é simples, direto e democrático, já que deixa a decisão por conta de quem elegeu aquele parlamentar, não para seus pares, que sempre tendem a recorrer ao corporativismo.
Como funciona o recall político
Para remover um político segue-se as seguintes etapas:
1. Faz-se um baixo assinado pedindo novas eleições para o cargo daquele politico.
2. Apresenta-se o baixo assinado para que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) averigue a autenticidade das assinaturas.
3. Assinaturas são encaminhadas ao TSE.
3.1. Caso as assinaturas sejam fraudulentas ou não atinjam o total necessário, o TSE encerra o processo.
3.2 Caso as assinaturas sejam válidas e atinjam o total necessário, o TSE notifica o político em questão e convoca novas eleições para o cargo.
4. O candidato que atualmente ocupa o cargo pode concorrer novamente ou renunciar.
4.1. Caso opte pela renúncia, o candidato pode concorrer nas próximas eleições.
4.2. Caso opte por concorrer e perca, o candidato fica fora das próximas eleições, assim como em um impeachment.
4.3. Caso opte por concorrer e vença, o político sai mais forte do processo e consegue cumprir seu mandato com maior facilidade.
5. O TSE administra novas eleições somente na jurisdição do cargo.
A vantagem do recall político que poucos falam
Os Estados Unidos criaram uma expansão muito interessante para o recall político. Poucos sabem, mas nos EUA agora a população também pode revogar o mandato de cargos nomeados, como burocratas, secretários indicados por políticos, chefe de polícia, auditores, secretário de finança e por aí vai. Todos esses cargos estão sujeitos a terem seus mandatos popularmente validados.
Veja bem como isso pode ser útil. Esse recurso poderia ter sido usado no caso do BNDES, por exemplo, quando ele passou a fomentar obras em países pouco democráticos, sem poder de pagamento ou em um processo de financiamento pouco transparente. Ao permitir que a população possa intervir diretamente na ação dos servidores, estes passam a trabalhar pensando no interesse popular, e não de quem o indicou para o cargo.
O recall vai mais além. Com a criação de um dispositivo de revogação de mandato, a população pode fazer um pedido por novas eleições de bancadas inteiras ou até mesmo eleições gerais! O Congresso está sem legitimidade? A população pode dissolvê-lo e exigir novas eleições. O recall político cria políticos mais responsáveis.
A possibilidade de revogação de mandato, ou sujeito a novas eleições por voto de não confiança, causa efeitos imediatos. Ao deixar claro que o dono daquele mandato é o eleitor, e não o político, o recall faz com que o parlamentar se torne muito mais próximo ao seu eleitorado e a sociedade, que por consequência, passa a confiar mais no sistema político daquele país. O recall político serve até como uma válvula de escape, pois permite que todo o sistema não fique contaminado e chegue a situações patéticas como a do Brasil de hoje.
A complexidade do recall é que somente alguns modelos representativos permitem esse sistema. Para cargos majoritários, onde quem tem mais votos ganha, como prefeitos, governadores, presidente e senadores, o sistema é aplicável sempre. O problema é que essa é a menor parte da máquina política. O grosso dos cargos encontra-se no legislativo, com os deputados federais, estaduais e vereadores. Isso ocorre pois no modelo atual, em que há o coeficiente eleitoral, o mecanismo não pode ser aplicado pois a remoção de um candidato com muitos votos, e que elegeu desta forma muitos deputados, inviabilizaria o mandato desses parlamentares que foram eleitos com o resíduo dos seus votos originais, além de outros motivos explicados aqui. O único modelo que permite essa mecânica é o voto distrital puro, pois não há coeficiente e os distritos eleitorais são menores.
Quer saber mais sobre isso? Então marque presença neste evento aqui. Farei uma transmissão ao vivo no Facebook explicando porque o voto distrital puro é o melhor para o Brasil, e não o voto distrital misto. Chega de se contentar com o que “dá”, temos que começar a trabalhar pelo que é o melhor, e a possibilidade de fazer revogação de mandato é apenas uma das razões.
Caso não possa ver a live nesta quinta-feira, 14 de setembro de 2017, às 21:00, cadastre-se em meu canal de Youtube, pois o vídeo será publicado na integra.