O Socialismo na Constituição:

O socialismo aplicado a uma Constituição cria o que chamam de Estado Social. No Brasil há cinco pilares centrais desse modelo: a previdência estatal obrigatória, as leis e a “justiça” trabalhista, os planos assistencialistas e os sistemas único de saúde e de educação.  Todos esses comandados de forma central, pela União, e constitucionalizados, integralmente ou em parte, para impedir ajustes. 

Um Estado Social via de regra é mais interventor na sociedade e na economia.  Essa intervenção se dá através de normas, burocracias e tributos.  Dependendo da intensidade de sua intervenção, o Estado Social pode gerar instabilidade jurídica, fiscal e política. 

“O Estado Social indiretamente remove o controle constitucional da população sobre sua própria Constituição”.

Além de ser um fator de desestabilização o Estado Social é um condutor ao globalismo uma vez que os pilares, suas métricas e programas não são definidos pelos cidadãos, mas sim, por convenções ideológicas em organizações supranacionais. Portanto, quem controla o Estado Social não é o cidadão, mas sim o Estado e este está sujeito a convenções vindas de fora do país.  É por isso que o Estado Social indiretamente remove o controle constitucional da população sobre sua própria Constituição.

Um dos argumentos do meu livro, “Por que o Brasil é um país atrasado? ”, é apontar como esse modelo cria instabilidade política, corrupção, rupturas e crises fiscais frequentes. A duração do modelo é curta pois as condições que criam suas instituições sociais mudam constantemente e, por não ser um modelo de Estado dinâmico e adaptável, perde rapidamente sua legitimidade, tornando-se ultrapassado e tirânico quando ele próprio se blinda dos ajustes necessários. 

Sem a influência socialista, a Constituição americana garantiu a estabilidade necessária para o crescimento dos Estados Unidos.

Apesar do crescimento do debate filosófico e da resistência política de conservadores e liberais ao longo do século XX, modelos de Estado Social avançaram no Ocidente, com diversas intensidades e formatos.  Os países mais resistentes, e também os mais estáveis, mantiveram essas influências socialistas em lei, e não chegaram a alterar suas constituições para criação de um Estado Social de fato.  Esse foi o caso dos EUA, Inglaterra, Suíça e Canada. 

No caso da Alemanha e do Japão a situação foi diferente.  Após a Segunda Guerra Mundial a Alemanha ajustou sua constituição, que já adotava o Estado Social desde 1918, liberalizando-a, reconhecendo a socialização de algumas obrigações de Estado na constituição, mas diferindo os detalhes dessas obrigações em lei.

O Japão teve um benefício inusitado no pós-guerra pois, por imposição dos EUA, adotou o que pode ser considerada uma versão atualizada da constituição dos Estados Unidos que meramente menciona, mas não regulamenta, a educação, o trabalho etc.  Os demais países que hoje compõem a OCDE, que, por enquanto inclui o Chile, são comparáveis a todos esses exemplos, mas nenhum país da OCDE tem uma constituição de Estado Social tão forte quanto a do Brasil de hoje.      

Políticas sociais garantidas na Constituição engessam o país e tornam o Estado desestabilizador

No contexto de Estado Social, o inchaço permanente da máquina pública e o alto custo de seu financiamento fragilizam o Estado limitando sua durabilidade: geralmente até a próxima crise fiscal, crise de corrupção ou crise de falta de capacidade de atender as entregas do momento.  Os ajustes nas políticas públicas e suas metodologias de entrega são, portanto, inevitáveis.  Mas quando essas políticas e métodos ficam travados na constituição, o Estado se torna desestabilizador.

Alguns dos constituintes de 1988 deviam saber disso, pois tornaram as modificações constitucionais muito fáceis quando comparadas às de outros países desenvolvidos.  O Brasil já ultrapassou 100 emendas constitucionais, nesses mais de 30 anos da CF de 1988, o que comprova a necessidade de ajustes constantes que mencionei.

Por um lado, essa facilidade de ajuste tem mantido a CF de 1988 viva. Se, por acaso, fosse mais difícil ajustar essa constituição altamente interventora, ela certamente não teria chegado a 2020.  No entanto, essa facilidade de ajuste cria outro problema mais grave: constituições não são feitas para sofrerem ajustes constantes e as que são, como a nossa, não garantem o grau de estabilidade jurídica necessário para se tornar um país desenvolvido.

Esse é o erro dos movimentos de esquerda em toda a América Latina e nos EUA que lutam para criar um Estado Social constitucionalizando o socialismo.  Na prática, o Estado Social não atinge o que prega, mas sempre gera um alto grau de instabilidade política para constitui-lo e depois para gerenciá-lo. 

A argentina sofre com o ciclo sem fim de instabilidade política.
Argentina sofre com o ciclo sem fim de instabilidade política.

Esse tem sido o caso recente da Argentina e do Brasil: países que já contam com um Estado Social há décadas e que nunca conseguem se ajustar durante longos períodos tendo que fazer reformas constantes: política, tributária, previdenciária, administrativa, do Judiciário, para citar apenas alguns exemplos.  O resultado é instabilidade política mesmo com governos socialistas eleitos.

Em 2019 e 2020 o Chile tem sofrido pressão com mobilizações em prol de uma nova constituição que cria esse modelo de Estado Social.  Se cederem estarão entrando para o rol de países instáveis, típicos da região.  Em pouco tempo estarão em situação semelhante à da Argentina ou do Brasil, precisando reformar tudo.

O Brasil vem reinventando seu modelo de estado social desde 1934 e como todos geraram rupturas temos mais cinco modelos republicanos na nossa história além da primeira república (CFs de 1937, de 1946, de 1967 e a atual de 1988).  A função legislativa da 56ª legislatura eleita em 2018, dominada por reformas de leis e instituições já existentes, já confirma que a CF de 1988 está saturada.

Mesmo a América Latina sendo dominada por constituições estatizantes, os avanços na administração pública precisam acontecer antes, fora da região pois até a inovação é restrita: como praxe de modelos de Estado Social, toda mudança precisa existir antes em lei para depois serem aplicados. Ou seja, nunca seremos líderes em modelos de Estado Social pois não temos liberdade constitucional para testar e desenvolver novas alternativas de gestão pública, restando a nós a dependência de adotarmos inovações que já existem em modelos de outros países.  

Faz-se necessário registrar que, em função da ascensão dos modelos de Estado Social, os países do Ocidente têm se tornado cada vez mais autoritários: menos por ditaduras populistas ou grupos oligárquicos, mas mais por suas próprias constituições.  E constituições de Estado Social são as mais autoritárias no quesito de violação de liberdades individuais e limitações de escolhas. Elas costumam apresentar três características: o excesso de normas e burocracias com a centralização e fortalecimento do Estado impedem a livre iniciativa; a busca incessante por limitar os direitos à propriedade, que fica suscetível ao controle do Estado e à desapropriação sob a falsa premissa de cumprimento de uma função social; e, por fim, a concentração de esforços em se garantir direitos às autoproclamadas minorias em detrimento dos cidadãos que vêm seus direitos e liberdades serem alijados a todo momento. Vale lembrar que a primeira delas foi a Constituição que criou a República de Weimar em 1918 na Alemanha, e que, durante a ditadura nazista de 1933 a 1945, permaneceu praticamente intacta. 

Escutei o termo “autoritarismo constitucional” sendo usado por alguns pensadores políticos para definir o que rege o Ocidente nesse início de século XXI e acho que ele é adequado para ajudar a visualizar essa tendência. 

Isso provoca o ensejo para as resoluções: remover da Constituição tudo o que cria um Estado Social seria o movimento correto para evitar um desgaste constitucional mais profundo. Como fiz inferência na experiência do Japão, uma versão mais atualizada da Constituição dos EUA já acomodaria gregos e troianos.  Caso isso seja politicamente impossível devemos ao menos lutar para descentralizar o Estado Social e tirar suas competências da União: a criação, o financiamento, a gestão e as entregas dos serviços públicos seriam delegadas e sustentadas pelas instâncias mais próximas do eleitor.  Só assim a Constituição de 1988 daria mais estabilidade jurídica e política para o Brasil.  Infelizmente o que se observa é um processo crescente de constitucionalização de programas que deveriam ter caráter temporário se comparados à perenidade desejável de um texto constitucional, e por isso, deveriam ser tratados na legislação infraconstitucional: FUNDEB, Bolsa Família e SUS. O movimento está nitidamente no sentido contrário.

Esse é o alerta.