Artigo

A previdência ideal e os erros do modelo previdenciário atual

Escrito por

Luiz Philippe de Orleans e Bragança

Sabe porque a reforma da previdência como o governo apresentou não resolve o problema da previdência? Pois essa reforma da previdência não ataca os verdadeiros problemas. De forma geral, três problemas sempre irão inviabilizar qualquer previdência, ocorram eles em grupo ou de forma isolada. O Brasil infelizmente sofre dos 3 problemas ao mesmo tempo. São eles:

  1. Nossa previdência é usada como ferramenta de política social; e não deveria ser.
  2. Nosso sistema de previdência cria privilégios; e não deveria criar.
  3. A previdência é estatal e obrigatória, sendo, portanto, exposta a corrupção e riscos de alocação imprópria de recursos; e não deveria ser.

É impossível debater a reforma do nosso sistema previdenciário apenas abordando as mudanças propostas pelo governo, pois essa discussão apenas oculta os problemas. Para compreender não só o problema, mas também suas origens, iremos abordar a questão passando por cada um dos pontos listados acima.

Previdência como política social

O primeiro problema é que o sistema previdenciário brasileiro não foi montado para gerir a aposentadoria, mas para fazer política social. Isso acontece, pois, a previdência acolhe também aqueles que não contribuem. Isso acontece, pois, o governo destina parte do montante recolhido pelos trabalhadores que contribuíram para pagar a “aposentadoria” de quem nunca trabalhou e, portanto, nunca contribuiu, ou não contribuiu o suficiente. De forma curta e simples: para se aposentar é preciso trabalhar e poupar ou então herdar.

Ao criar uma remuneração social, o governo transforma a previdência em um programa assistencialista, e isso inviabiliza qualquer tipo de gestão. Quando pessoas dependem da previdência para sobreviver, elas necessariamente dependem do governo. Com isso, a previdência deixa de ser objeto de Estado para se tornar ferramenta de governo, e necessariamente, de política. Quando se adota critérios sociais, e extremamente subjetivos, inviabiliza-se o posicionamento técnico. É por isso que alterar a previdência é espinhoso para políticos, já que assim como os carentes sobrevivem da previdência, os políticos sobrevivem dos votos destes.

É preciso acabar com essas distorções para que o sistema fique minimamente viável. Neste caso, a grande pergunta que fica é: como ficam aqueles que não trabalham, ou que não contribuem com o próprio plano de pensão? A resposta é simples: não ficam. Previdência ou aposentadoria são pressupostos de quem trabalhou ou contribuiu com um fundo de pensão. Quem foge a essa regra não pode ser enquadrado, ou amparado, por um sistema previdenciário.

Isso não significa que essas pessoas devam ficar desamparadas. O que deixo claro é que não cabe ao sistema previdenciário arcar com essa despesa. Nos países desenvolvidos a própria sociedade civil organizada, ou os poderes de governo locais como prefeituras e estados, muito mais próximos dessas pessoas, ficam responsáveis cuidar dessa parcela da população.

Formulário de declaração de imposto de renda nos EUA. Campo dedicado à dedução de doações.
Formulário de declaração de imposto de renda nos EUA. Campo dedicado à dedução de doações.

Nos Estados Unidos é muito comum que as pessoas destinem parte de sua renda à caridade. Isso é feito porque ser caridoso é bom, mas também porque essas contribuições são descontadas no imposto de renda. Ou seja, ao invés de pagar ao governo, o cidadão pode repassar o dinheiro destinado ao Leão ao Exército da Salvação, por exemplo. Se uma pessoa tinha que pagar 15 mil dólares a título de imposto de renda, e doou US$ 12 mil ao Salvation Army, ele precisa pagar em imposto de renda apenas US$ 3 mil. Essa mesma regra é aplicada para empresas ou fundações. É por isso que bilionários americanos, como Bill Gates e Warren Buffet, são adeptos da filantropia. Deixa-se de destinar dinheiro ao governo, sabidamente perdulário, para destinar dinheiro a organismos civis e filantrópicos.

Formulário de declaração de doação à Boa Vontade (Goodwill). Observe que é possível declarar, e obter dedução, até em roupas e objetos doados.
Formulário de declaração de doação à Boa Vontade (Goodwill). Observe que é possível declarar, e obter dedução, até em roupas e objetos doados.

Ao transferir a questão social das mãos do governo para a sociedade, tiramos o pelo financeiro das costas do trabalhador comum que contribui. A previdência deve cuidar apenas de quem recolhe e se aposenta. A política social deve ficar sob responsabilidade da sociedade.

Política Social é para ser feito pela sociedade, localmente, e não pelo sistema de previdência central. O máximo que o Estado deve fazer é desonerar quem ajuda a mitigar a questão social.

Privilégios da previdência social

O segundo problema é outro enorme causador de distorção na matemática do sistema previdenciário. São os inúmeros privilégios criados por ela. Políticos e burocratas possuem um sistema de aposentadoria diferenciado, ou seja privilegiado. Cabe um alerta: sempre que qualquer lei ou norma use o termo diferenciado, é porque ela na verdade é uma norma para privilegiados. Isso é apenas uma forma para mascarar benefícios desiguais. Esses privilegiados da previdência recolhem menos que o trabalhador comum, além de se aposentarem mais cedo. Mais uma vez a conta não fecha. Com quem fica a diferença? Com o trabalhador comum.

Há também que se falar das pensões, um enorme vespeiro que se criou ao acomodar mais uma questão social na conta da previdência. O cônjuge de um (a) trabalhador (a) atendido (a) pela previdência pode continuar a receber a aposentadoria em caso de morte do beneficiário. Este é um pagamento vitalício, que configura em transferência de benefício.

Existem também os casos em que as filhas recebem o pagamento de pensões, em decorrência da morte do pai. Esse pagamento só é encerrado em duas ocasiões: em caso de morte da descendente, ou em caso de matrimônio. O que acontece? Na maioria das vezes essas mulheres moram junto com um homem e constituem família, mas nunca regularizam o matrimônio no papel para não perder o benefício. Ou seja, transforma-se um crédito previdenciário em um benefício social, ou em um segundo salário. Ou, no bom português, em um dinheiro recebido de forma indevida.

Tantos benefícios assim, dos burocratas, políticos e pensionistas, criam uma enorme distorção orçamentária. São cada vez mais beneficiários para cada vez menos contribuintes. Além disso, graças aos avanços da tecnologia e do desenvolvimento da sociedade, as pessoas estão vivendo cada vez mais. Coloque na mesma equação pagamentos indevidos, privilégios, contribuição baixa, pouco tempo de contribuição e aumento da expectativa de vida. Qual resultado? Falência do sistema previdenciário. Não é por acaso que o governo consome 35% de sua arrecadação anual para custear a previdência, e essa porcentagem sobe ano a ano.

O problema da reforma da previdência não é um privilégio brasileiro. Boa parte do caos financeiro da Grécia se deve a essa questão. O jornalista Fernão Mesquita tem uma frase muito boa sobre essa luta contra os privilégios e distorções: “antes do privilegiado aceitar perder seus privilégios ele irá resistir até que todo o sistema imploda ao seu redor. “ Ou seja, já sabemos como muitos privilegiados irão se portar por aqui.

Sistema previdenciário público obrigatório

O terceiro problema é o da obrigatoriedade. O modelo atual, e que tende a ser mantido caso a vontade do Congresso, interessado em conservar votos às custas do erário, exige o remanejamento de verbas. Como não se arrecada o suficiente para cobrir os saques mensais da previdência, o governo precisa mensalmente redistribuir orçamento de outras pastas para cobrir esse rombo. Isso resulta em baixo orçamento para as forças de segurança, carga tributária elevada, infraestrutura deficitária, e por aí vai. Sendo assim, alimenta-se um monstro social às custas da própria sociedade.

Filas para recebimento e redacastramentos da previdência são frequentes. Na década de 80 e 90 era comum faltar dinheiro, e aposentados não recebiam benefício. Crédito da foto: Veja
Filas para recebimento e redacastramentos da previdência são frequentes. Na década de 80 e 90 era comum faltar dinheiro, e aposentados não recebiam benefício. Crédito da foto: Veja

Um dos agravantes da situação é a obrigatoriedade da contribuição ao INSS. Todo trabalhador com carteira assinada é obrigado, por lei, a destinar parte polpuda de seu salário aos cofres da previdência, que é um grande balde repleto de furos, como já exporto acima. Isso limita o desenvolvimento competitivo do sistema previdenciário privado, pois ao optar por uma previdência privada no Brasil, e buscar mais segurança e melhores rendimentos, o trabalhador acaba por pagar duas vezes. Caso não houvesse obrigatoriedade, esse trabalhador poderia usar o dinheiro destinado ao governo para outra coisa, ou poderia investir ele em um segundo fundo previdenciário privado, aumentando seus rendimentos quando finalmente a aposentadoria chegasse.

Demonizado pela esquerda, já que “deixa os pobres de fora”, o sistema previdenciário privado é um mecanismo simples e extremamente eficaz, similar à abertura de uma conta de investimento em banco. O contribuinte estabelece quanto quer contribuir por mês e qual a idade planeja se aposentar e, portanto, parar de contribuir e começar a receber. O banco então informa quanto ele receberá de aposentadoria e quanto tempo ela irá durar. Simples. Quer receber mais? Contribua mais. Quer receber por mais tempo? Contribua ainda mais, ou receba menos no saque mensal. Simples.

O sistema previdenciário particular acaba com o populismo, já que tira do governo, que frequentemente acha que é o Estado, o controle do futuro das pessoas. Ele também acaba com a necessidade de reformas previdenciárias, já que delega às pessoas o cuidado com a própria pensão. Acima de tudo, a carga tributária diminui, já que o governo não precisa gastar 35% do seu orçamento com a aposentadoria.

Isso interessa ao trabalhador contribuinte. Isso interessa aos cofres da União. Isso interessa aos brasileiros, que pagam por serviços públicos e não recebem muita coisa em troca. Em suma, isso interessa a todos, menos aos políticos e grupos que enxergam a população como propriedade eleitoral, ou que aproveitam e muito esses benefícios e privilégios custeados pelos outros. Repare que anualmente descobrimos esquemas de corrupção ligados à previdência, indo desde a fraude dos aposentados fantasmas, com estelionatários que simulam aposentadorias para receber dinheiro, à políticos que armam esquemas milionários para desviar o dinheiro depositado mensalmente pelos trabalhadores.

O ex-ministro da Dilma, Paulo Bernardo, e sua esposa, a senadora Gleisi Hoffmann, são investigados pela operação Custo Brasil no desvio de mais de R$ 100 milhões do dinheiro dos aposentados. Crédito: Blog do Álvaro Neves
O ex-ministro da Dilma, Paulo Bernardo, e sua esposa, a senadora Gleisi Hoffmann, são investigados pela operação Custo Brasil no desvio de mais de R$ 100 milhões do dinheiro dos aposentados. Crédito: Blog do Álvaro Neves

E é por isso que tirar a previdência da mão do Estado é tão importante. Existem vários modelos possíveis que se encaixam entre o modelo estatal obrigatório (atual) e o modelo privado opcional (ideal), mas nenhuma alternativa é possível enquanto o cenário atual não for revisto. Para que o brasileiro tenha toda essa amplitude de escolha, a competência de ter ou não sistema de previdência tem de ser repassada para os estados e para a sociedade.

De forma resumida, tudo o que falei acima pode ser resumido com a seguinte sentença: a previdência privada não deixa as pessoas sem aposentadoria. A quebra do monopólio apenas transfere à iniciativa privada a gestão da previdência das pessoas. Quem contribuia com a previdência pública passa a contribuir com a previdência privada. A única diferença é que o gestor do fundo deixa de ser o governo e passam a ser as empresas, e as pessoas não são mais obrigadas a contribuir. Temos assim menos governo e mais liberdade de escolha. Simples assim.

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