Uma comparação entre a Constituição do Império, em 1824; e as muitas constituições da República pode dizer muito a respeito dos dois sistemas políticos
Pouco mais de 100 anos separam o Império da República no Brasil. Levando em conta a evolução de ambos os sistemas, cabem algumas observações. No Período Imperial havia dois partidos majoritários, Liberal e Conservador, sem nenhum financiamento do Estado, mas custeados por cidadãos que se organizavam livremente.
O partido Conservador era constitucionalista, a favor do poder central no comando e avesso a mudanças bruscas na sociedade. Já o partido Liberal, do ponto de vista organizacional, favorecia o poder local, visto que ocorreram diversos levantes na época para criação de novos países e desmembramentos de estados; e promovia a autonomia das oligarquias regionais.
Apesar das diferenças, os partidos viviam em comunhão constitucional, pois ambos eram fiéis à Constituição de 1824, o que garantiu estabilidade até a promulgação de uma nova carta na República, em 1891. O Império, portanto, teve apenas uma Constituição, com poucas emendas, apenas para fins de modernização diante de novas demandas da sociedade, como ocorreu no período regencial, antes da maioridade de d. Pedro II.
Essa estabilidade se deu principalmente pelo fato de ambos os partidos representarem segmentos antagônicos dentro da própria sociedade: o primeiro pregava mais centralização e maior força do Estado, o segundo, menos centralização e maior força regional.
Abolição conservadora e liberal – Quanto à abolição da escravatura, embora o partido Conservador tenha liderado o processo que levou à Lei Áurea, havia abolicionistas também entre os liberais, assim como escravocratas em ambos os lados. O debate era frutífero porque tinha como base uma Constituição que propiciava o diálogo equilibrado, o que não aconteceu no Brasil República, principalmente nos primeiros quarenta anos, com o domínio das oligarquias, cujo propósito era tornar inócuo qualquer debate, situação que piorou nos anos 1930, com o Estado Novo, de viés claramente estatizante e fascista, regulamentador de absolutamente tudo e de todas as atividades humanas. Esse é o modelo que prevalece até os dias atuais, cujo debate enviesado estabelece a relação de mando em que o Estado centralista dá as cartas.
A viabilidade do debate não se trata de questão temporal, pois alguns países modernos e estáveis mantém as discussões acesas no equilíbrio constitucional desde o século passado, quando já se colocava em pauta maior ou menor intervenção do Estado, como acontece nos Estados Unidos e na Europa. No Brasil, é necessário resgatar essa dinâmica, fundamental para garantir o futuro.
Legislativo exigente – Os critérios legais para as eleições no período Imperial podem parecer controversos, mas procuravam garantir isenção para o exercício legislativo. Primeiro, para votar ou ser votado era necessário ter renda, ou pelo menos provar que seu sustento não iria depender exclusivamente do mandato político. Segundo, era vedado a padres, especificamente, pois a Igreja era o aparelho burocrático do Império, de forma que se o papel dos religiosos era ser a máquina do Estado, e portanto os religiosos eram funcionários públicos, o Estado não podia votar em si mesmo. Nesse contexto, os agentes ao votarem direcionariam a política de acordo com seus interesses, tingindo a maioria com a cor que lhes aprouvesse. Embora seja uma discussão polêmica, a ideia é de que o Estado deve representar os interesses da sociedade, e se a votação for contaminada pelos próprios beneficiários da máquina pública, o pleito se contamina e não atende mais a seu propósito.
No atual modelo, não há muita chancela do Estado, a elegibilidade é muito mais extensa, pois embora tenhamos maior longevidade, baixou a faixa etária para se eleger ou ser eleito. Na época do Império, deputados e senadores tinham inclusive que provar que tinham a perder se o Brasil não estivesse indo bem, não eram meros aventureiros na política. Hoje baixamos o nível e seria importante rediscutir essas questões a fim de dar mais estabilidade e idoneidade às instituições. No quesito eleitoral, o Brasil Império sai ganhando.
Câmaras Distritais e Voto Indireto – As Câmaras operavam sobretudo com o voto paroquial, o que hoje chamaríamos distrital. Onde houvesse uma paróquia, seria eleito um representante, sistema que aproxima mais a sociedade de seus representantes no parlamento, atende melhor às demandas locais e barateia o custo das campanhas, pois exige menor aparato logístico.
Esse vínculo importante entre representante e representado difere diametralmente no período do Império e da República, pois foi durante esse último regime, com voto majoritário e proporcional para todos os cargos, que se promoveu o aparelhamento do Estado e o estranhamento entre sociedade e parlamentares, que deveriam estar ligados a suas regiões para entregar serviços de qualidade. O fim do voto distrital foi um dos componentes que criaram boa parte dos problemas que vivemos há 130 anos.
A estrutura do Senado também era diferente no tempo do Império, pois sua composição tinha o número de deputados como referência. O número de senadores era metade do de deputados eleitos. O senador era escolhido pelo Imperador a partir de lista tríplice, de autoria da Câmara, de forma que o voto era indireto, o que seria mais uma chancela do poder Moderador.
Tal escolha seria ao mesmo tempo mais representativa para os estados e menos sujeita a corrupção. Esse é um bom exemplo de como atuava o poder Moderador, na garantia de que instituições como o Senado permanecessem estáveis, sem entrar no mérito das motivações que as levam a atender grupos de interesses que certamente não têm lastro na sociedade e fatalmente irão desaparecer da História.