Artigo

Gastos Públicos e Fundo Eleitoral: Uma Verdade Inconveniente

Escrito por

Luiz Philippe de Orleans e Bragança

A reação dos governos estaduais ao risco de pandemia e crise na saúde foi uma quarentena parcial. Isso gerou uma crise econômica imediata com perdas de emprego formal e queda na atividade dos autônomos. Seria no mínimo moral e certo que os gastos públicos fossem reduzidos e recursos para as eleições desse ano redirecionados para saúde, certo? Claro que sim, mas se depender dos representantes federais uma distorção antiga na nossa conjuntura política pode tornar isso muito mais difícil do que é moralmente aceito como sendo o certo. Explico.

O norte e o nordeste têm 7 e 9 estados respectivamente, 16 estados ao todo.
Constitucionalmente isso garante que o norte tenha 21 senadores e 65 deputados federais e o nordeste eleja 27 senadores e e 156 deputados. Ao todo norte e nordeste têm 48 senadores e 221 deputados federais.

Ou seja 59% do Senado e 43% da Câmara são compostos por representantes do norte e
nordeste. Quando há junção de Senado e Câmara para formar o Congresso Nacional,
representantes do norte e do nordeste comandam 45% dessa agremiação.

As regiões norte e nordeste juntas detêm somente 35% da população, enquanto o sul e o
sudeste detêm 56% e o centro oeste outros 8%. Considerando que com 35% de população o norte e o nordeste detêm 59% de comando do Senado e 45% de comando do Congresso
Nacional a distorção de representatividade é óbvia e suscita todo um debate sobre qual o
melhor modelo para corrigir isso e qual seria o método para fazê-lo uma vez que o próprio
Congresso Nacional terá que aprová-lo. Mas esse debate está além do escopo dessa análise.

A pergunta é: por que isso é relevante no debate sobre corte de gastos na máquina pública e realocação do fundo eleitoral? Resposta: pois em um número expressivo de municípios do
norte e do nordeste o funcionalismo público representa mais de 40% da força de trabalho – em alguns casos ultrapassando 60%. No sul e no sudeste o funcionalismo público representa menos de 20% da força de trabalho.

O funcionalismo público é uma força eleitoral em todo o Brasil mas é mais expressivo nas
regiões norte e nordeste. Mas há também os milhares de cabos eleitorais financiados pelos
partidos através do fundo eleitoral.

Esse cabos eleitorais frequentemente agem durante os ciclos eleitorais. Como há eleições a
cada 2 anos muitos cabos eleitorais são empregados permanentes do partido.

Portanto, para as regiões norte e nordeste, onde empregos na iniciativa privada são mais
escassos, há uma dependência dupla do Estado: empregos na burocracia pública e serviços
eleitorais durante os ciclos eleitorais.

Há deputados e senadores das regiões norte e nordeste que são a favor de reduzir custos na máquina publica durante uma crise econômica e realocar recursos do fundo eleitoral para ajudar na saúde? Claro que sim. Há também deputados e senadores das regiões sul, sudeste e centro-oeste que não querem mexer em ambos.

A questão é, se a máquina do Estado brasileiro, em sua totalidade, está em dissonância com a opinião pública e precisa de reformas, o fator de resistência virá da antiga e inconveniente verdade: a desproporcionalidade no nosso sistema representativo faz com que os estados membros mais dependentes da máquina pública tenham mais poder político que a opinião pública.

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