Artigo

Como as constituições brasileiras acabaram com a liberdade para trabalhar aos poucos

Escrito por

Luiz Philippe de Orleans e Bragança

No Brasil atual a livre iniciativa e o trabalho não são livres. São totalmente regulamentados. E quem resolve empreender ou tirar um sonho do papel é visto como louco, ou como desempregado e desesperado. Isso é reflexo das leis e normas existentes no país e não da nossa “cultura da dependência”. Muito se diz sobre isso, dizendo que o Brasil sempre foi avesso a livre iniciativa. Bobagem. O brasileiro sempre foi um povo empreendedor, construtor de riquezas, mas o Estado está acabando com a liberdade para trabalhar.

Nossas leis e constituições, no entanto, não reconhecem esse valor de base do povo brasileiro. Você quer ver uma prova? O Brasil livre, de jura e de fato, nasceu junto com a independencia do país. Nossa primeira constituição foi escrita em 1824, inspirada na Constituição dos Estados Unidos, criada 35 anos antes. Ela impunha limites ao Estado, não ao cidadão empreendedor. Além de segurar o apetite do Estado em tornar-se cada vez maior, essa constituição garantia que as pessoas nunca teriam sua livre iniciativa censurada pelo poder público.

Desde a constituição de 1824 (clique para ler na integra) nossos políticos conscientemente transformaram o Brasil em um Estado tirânico que age a revelia do bem comum. Houve na verdade uma verdadeira involução jurídica desde então nesse aspecto. Para tornar a demonstração do que eu quero dizer mais clara, e também para que não fique a impressão que estou interpretando os fatos, vou transcrever literalmente, inclusive com o português da época, as clausulas de liberdade individual que regulamentavam o trabalho com o passar das constituições.

Liberdade para trabalhar: acabando aos poucos

Faço breve comentários abaixo de cada uma das alterações, somente para ilustrar o que foi alterado.

Constituição de 1824

“Nenhum gênero de trabalho, de cultura, indústria ou comércio pode ser proibido, uma vez que não se oponha aos costumes públicos, à segurança, e saúde dos cidadãos”. Comentário: Em duas linhas a constituição brasileira de 1824 reduz ao máximo que o governo possa regular em nossos trabalhos ou empresas. Nada é proibido, exceto aquilo que ofenda o bom senso. Sensatez igual não se viu mais. Vejamos.

Constituição de 1891

“É garantido o livre exercício de qualquer profissão moral, intellectual e industrial”. Comentário: A primeira carta magna da república. Fica claro desde o começo que o Estado é quem garante as coisas no Brasil, mesmo aquilo que é um direito natural. Com esta constituição, a liberdade deixa de ser sua e não pode ser garantida diretamente por você. A liberdade é do Estado, e ele a dá aos cidadãos, em uma espécie de cessão de direitos. Percebam a inversão de valores.

Constituição de 1934

“É livre o exercício de qualquer profissão, observadas as condições de capacidade technica e outras que a lei estabelecer, ditadas pelo interesse publico”. Comentário: A primeira constituição de Getúlio Vargas determinou que só pode ser feito o que for de interesse público, e o responsável por interpretar o que é de interesse público tem, de fato, o poder para interpretar o que o brasileiro pode ou não fazer.

Constituição de 1937

“A liberdade de escolha de profissão ou do genero de trabalho, industria ou commercio, observadas as condições de capacidade e as restricções impostas pelo bem publico, nos termos da lei”. Comentário: Getúlio Vargas decretou o chamado Estado Novo no mesmo dia em que promulgou uma nova constituição. A partir de então, até a escolha do tipo de empreendimento deveria ser analisada para ver se estava de acordo com a lei.

Constituição de 1946

“É livre o exercício de qualquer profissão, observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer”. Comentário: Se por um lado a mudança foi boa, pois a liberdade de escolha foi removida do artigo, a partir de então a liberdade de exercício é que deveria ser regulada, o que torna o efeito ainda mais perverso, já que a partir de então até a forma como um trabalho era exercido passava a ser regulado pelo governo.

Constituição de 1967

“É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer”. Comentário: Com a nova mudança, acrescentou-se o “trabalho” e o “ofício” sob o poder regulatório da constituição, já que o trabalho regulado cria o trabalho não regulado. Foi uma tentativa de extensão de controle malfeita.

Constituição de 1988

“É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Comentário: A partir de 1988, não somente as escolhas das pessoas foram limitadas por sua capacitação, mas o órgão responsável por julgar se você pode realizar tal tarefa não é nem você, nem seu empregador ou cliente, mas um burocrata do Estado. A partir de 1988 a liberdade de poder trabalhar deixou de existir por completo.

Quando pensamos em leis e constituições antigas pensamos em retrocesso. Ledo engano. Essa é a versão criada pelas escolas durante o século XX, para validar a república presidencialista, e a lógica de avanços do poder do Estado contra uma sociedade livre.

Fica documentado portanto que desde a primeira constituição da republica a capacidade de escolher e exercer qualquer trabalho tem sido limitada ao ponto atual da estagnação. A idéia de que a liberdade de trabalho é um direito natural e que não deve ser condicional a qualquer regulamentação deve preceder a elaboração de qualquer constituição. Toda constituição deve, no mínimo, reconhecer isso. Mas basta ler as constituções do Brasil do século 20 para perceber que esse conceito desapareceu. O Brasil do século 21 tem de resgatar princípios atemporais para não ficar no eterno atraso.

Para ver a foto que ilustra este arquivo em melhor resolução, clique aqui. Créditos: Paleonerd.

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