A paralisação por oito dias do transporte de bens e combustíveis foi suficiente para mostrar, de forma crua e simples, a fragilidade da infra-estrutura sobre a qual o Brasil está dependente. Não é por virtude, mas por vícios do sistema corrupto, que nossa infra-estrutura tem as características que tem. Esse modelo, assim como é o caso nos demais aspectos da política e economia, não é desenhado para proteger e fortalecer o consumidor eleitor. O Brasil foi construído dessa forma para beneficiar quem controla o poder político e econômico do pais.
Para corrigir essas vicissitudes é necessário implementar 5 pontos, em ordem de importância, não só para que uma greve como a dos caminhoneiros não seja mais necessária, mas também para o Brasil não ficar paralisado caso uma categoria opte por cruzar os braços. São eles:
-
Acabar com o monopólio da Petrobras:
Fim do monopólio não significa privatização. O monopólio é uma proteção que a Petrobras tem para agir sozinha no refino do petróleo no Brasil. Na verdade, o monopólio da Petrobras, criada em 1953, vem acabando desde 1997, já que até então ela detinha controle total da cadeia. Como assim? Antes de 1997 a Petrobras comandava várias a extração, o refino e a distribuição. O monopólio da extração e da distribuição acabou, já que outras empresas podem agir nessas áreas, mas o refino continua exclusivo à Petrobras. Isso faz com que todos os extratores vendam o combustível a ela, e todos os distribuidores comprem somente dela. Ou seja, mesmo sem deter controle de todas as operações, o governo acaba regulando todo o canal.
O caixa da estatal fomenta esquemas de corrupção, pois já que é controlada pelo governo, coloca nas mãos de burocratas um recurso mais suscetível a desvios. Um dos fatores é que monitoramento do orçamento da Petrobras é mais difícil que o da União. A Petrobras pode comprar publicidade em veículos de mídia de forma mais flexível. Isso permite não só o financiamento de jornalistas simpáticos ao governo, como também repassar dinheiro público através de triangulações em contratos de publicidade. Tudo isso pode ser mascarado facilmente, já que a falta de dinheiro no caixa da estatal pode ser facilmente resolvida com o aumento do preço do combustível. Outro ponto é a falta de concorrência. Com o monopólio exercido pelo Estado, o consumidor paga não o mínimo valor possível de mercado, mas o valor decidido pelo governo. Isso coloca não só o caminhoneiro, mas toda população brasileira nas mãos de algum político. Maior concorrência significa mais opções.
Por que o monopólio não acaba? Simples. Políticos e sindicatos que apoiam esses políticos não querem perder o controle sobre esse caixa, nem a sustentação de acordos de classe proporcionados por ele. Quando se tem mais opções de oferta de combustíveis, tanto o trabalhador quanto o consumidor podem optar por opções não vinculadas aos serviços do governo. Nesses casos só quem perde são os sindicatos e burocratas.
Não basta acabar com o controle estatal sobre a cadeia, é necessário também que a carga tributária nos combustíveis abaixe, para que assim a concorrência tenha de fato margem para entregar preços competitivos ao consumidor.
-
Baixar a alta carga tributária nos combustíveis:
Na prática, os impostos nos combustíveis são utilizados arbitrariamente pelos governantes. Se ao invés da prática fosse aplicada a teoria, talvez a coisa funcionasse melhor para o contribuinte. Impostos que incidem sobre combustíveis deveriam estar vinculados SOMENTE ao custeio da infra-estrutura, na melhoria da matriz energética, na criação de opções energéticas e sua distribuição. Essa é a teoria. A prática mostra outra realidade dramática: mesmo com 45% do preço de cada litro de gasolina destinado ao pagamento de impostos, somente 12% de rodovias são asfaltadas. Como podemos ver, o desvio de propósito é gritante. O governo federal coleta a CIDE, PIS/PASEP, COFINS, enquanto governos estaduais cobram o ICMS. O preço médio por litro é R$ 4,43, ou seja, R$ 1,99 em imposto. Podemos dizer que a carga tributária é alta e sua utilização é obscura. Se melhorarmos a transparência quem sabe a entrega de serviços melhore, mas até lá, baixar impostos deve ser contumaz.
Não basta baixar os impostos que incidem sobre a gasolina, já que a Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece que qualquer desoneração seja seguida de corte de custos, para que o governo não termine o ano em débito. Portanto, como os impostos são usados para honrar outros compromissos não vinculados à infraestrutura, é impossível baixar impostos sem cortar custos.
-
Incapacidade do governo em cortar custos e baixar impostos:
A maior parte dos orçamentos federais e estaduais vai para o financiamento do bem-estar social (previdência, SUS, assistencialismo, entre outros). Há também o problema de estabilidade de funcionários públicos. Tanto financiamento do bem-estar social quanto funcionalismo contam com proteção constitucional, o que inviabiliza o corte de gastos rápido. Isso amarra o governo ao aumento dos impostos para financiar rombos no orçamento. Caso esses gastos pudessem ser gerenciados, a diminuição dos impostos ficaria mais fácil e o preço teria margem para descida.
Infelizmente reformas nessas questões têm dividido o país. Há políticos e juízes que não acreditam que esses temas sejam um problema. Até que a consciência se eleve a um ponto que haja maioria favorável às reformas, o problema continua e o ciclo não se fecha.
O corte de impostos, despesas e monopólio não resolve a situação, já que todo sistema de transporte de produção continua restrito às rodovias e nas mãos de uma única categoria. A concorrência deve ser aplicada não só à produção do combustível, mas também à forma como ele é entregue.
-
Sair da dependência de rodovias e de caminhoneiros para escoamento de produção:
O Brasil construiu boa parte de seus 25 mil quilômetros de ferrovia durante o Império. As rodovias começaram com Washington Luis, em 1926. Desde então os governos incentivaram a expansão de rodovias e estradas, além de conceder subsídio para a compra de caminhões. Com o advento do sindicalismo nos anos 30 e o monopólio da Petrobras nos anos 50, interesses de classe também passaram influenciar as decisões estratégicas do governo. Ou seja, decisões de desenvolver outros canais de distribuição de petróleo, que não envolvam a categoria, emperraram e as rodovias passaram a representar 65% do escoamento de derivados de petróleo. Essa concentração permite que a paralisação da categoria responsável por entregar trave o Brasil por completo. Ampliar as opções de escoamento como dutos, ferrovias e hidrovias são importantes como controle de preços, como também reduz o trânsito e o desgaste nas rodovias.
Como curiosidade, a cidade de Bauru, que é abastecida por trem e não por caminhão, não estava sentindo os efeitos da falta de gasolina. No dia seguinte em que foi divulgada uma notícia sobre o sucesso do abastecimento por trem, houve acidente que causou o descarrilhamento de vagão contendo combustível que ia em direção à cidade. A causa, segundo reportagem do SBT, foi a remoção de parafusos de um trecho dos trilhos que ligam a região. Desnecessário dizer que é preciso ser um especialista para saber, exatamente, quais parafusos remover para causar um acidente desse tipo. Sabotagem?
Isso é diversificação. Como se não bastasse, os recursos do BNDES que havia para infra-estrutura foi destinado a outros países, como Cuba e Angola.
Por que não diversificamos? Como mencionado acima, temos interesses corruptos e de classes atuando, juntos, contra a tomada de decisões estratégicas em prol do consumidor eleitor.
Por fim, de nada adianta realizar todas essas reformas para garantir a redução do preço do combustível e também da melhoria de seu transporte se tudo isso for feito para uma matriz energética com prazo de validade. Quando o petróleo se tornar uma relíquia do passado, ou uma fonte não viáveál de exploração, o Brasil ficará como está hoje em decorrência da greve: sem combustível e parado.
-
Dependência do petróleo:
Todos os países desenvolvidos tomaram medidas para saírem da dependência do petróleo, e estão investindo em novas tecnologias de motores e também metas para o abandono do combustível fóssil. O Brasil não lidera esse grupo, já que há um interesse “estratégico” em manter a Petrobras alimentando esquemas classistas e de corrupção. Tanto o consumo quanto a produção de gasolina estão projetados à queda no mundo inteiro, graças às novas tecnologias nos motores e à queda inevitável dos estoques de petróleo. Se o Brasil ainda tiver petróleo daqui a 50 anos, seremos líder no segmento do petróleo, mas apenas porque todos os outros países já estarão usando outra tecnologia. O resultado? Ficaremos reféns não de uma estatal brasileira, mas de governos estrangeiros.
Por que mantemos a dependência? Ainda vivemos os efeitos dos mitos do “petróleo é nosso” e de que o governo é quem deve liderar nossos avanços. Essas duas fábulas da esquerda têm condicionado voto e apoio a falsos nacionalistas e corruptos.
Essas reformas somente são possíveis se o brasileiro mudar a visão que tem do Estado. Como todos esses problemas são estruturais, é preciso que haja uma reforma na fundação sobre a qual nossa sociedade está sendo erguida. Parece uma missão longa e difícil, mas se olharmos com os olhos da história, e não os de agora, veremos que é uma mudança possível e necessária. O Brasil tem apenas 518 anos, enquanto a Itália é multimilenar. Um ajuste agora, enquanto ainda somos uma nação jovem, poderá nos transformar em um país de futuro, não apenas do futuro.
O Brasil precisa sair da dinâmica do Estado de bem-estar social, onde o governo é responsável pelo controle de tudo e todos, e cobra uma fortuna em impostos por isso. Precisamos de um Estado liberal, com um governo central limitado e que custe pouco, dando assim às pessoas controle sobre suas vidas, seu futuro e seu patrimônio. O bem-estar social gera governos com monopólio, dirigismo sindical e sede pelo controle. Tenho certeza que ninguém quer isso.