Artigo

Como a China pode ameaçar a soberania dos países em desenvolvimento

Escrito por

Luiz Philippe de Orleans e Bragança

Expansão chinesa e a ameaça à soberania brasileira e de outros países em desenvolvimento

A China já é um poder hegemônico regional. O próximo passo é transformar essa hegemonia em algo global, mas para isso será preciso evitar a “Armadilha de Tucídides”, conceito criado pelo historiador ateniense Tucídides, que descreveu como Atenas cresceu comercialmente e passou a esbarrar com frequência nos interesses de Esparta. Segundo Tucídides, desse atrito veio a guerra do Peloponeso entre Esparta e Atenas em 431 a.C., que acabou enfraquecendo ambos os países.

O inimigo natural chinês é os EUA, seu criador. A abertura dos Estados Unidos para comércio com a China sempre foi uma aposta americana desde a administração de Nixon. Na visão dos Estados Unidos, o comércio criaria uma classe média chinesa que acabaria por demandar um sistema democrático, o que ruiria e destruiria a autocracia do Partido Comunista Chinês. Como podemos ver hoje, os Estados Unidos erraram.

A classe média chinesa que ganha mais de US$ 20 por dia de fato cresceu, e representa hoje mais de 110 milhões de pessoas. O erro norte americano foi em não definir o tempo para o crescimento dessa classe e não definir o tamanho necessário para destituir o modelo unipartidário chinês. Hoje a classe baixa da China, que são aqueles que ganham menos de US$ 20 por dia, representa 90% da população. Percebe-se um grande contraste com o Japão, país no qual a classe baixa representa apenas 17% da população. Seguindo o mantra de “sem classe média, sem democracia”, a China permanecerá um regime autocrático por muito tempo.

É assim que vive 90% da população chinesa.

Para piorar o cenário, o poder central do Partdo Comunista chinês está mais forte desde a era Mao. Como se não bastasse, agora a China promove esse modelo de governo para seus parceiros comerciais diretamente e indiretamente, via a Organização das Nações Unidas (ONU). Não é de se estranhar que alguns de nossos candidatos a presidência já receberam esse recado chinês.

De volta ao problema inicial.

Como a China pode evitar a Armadilha de Tucídides? Primeiro ela pode apoiar outros países que queiram travar conflitos contra os EUA: Irã, Coreia do Norte e Rússia são candidatos óbvios. É o que se chama na política internacional de “proxy war”, ou “guerra por procuração”. Isso ajudaria a tirar o foco da expansão chinesa no Pacifico. Segundo é isolar os EUA políticamente e comercialmente dos demais países.

A expansão da China no Brasil

É aí que entra o Brasil. A China já é o maior parceiro comercial do Brasil e, assim como vem fazendo na África, Nova Zelândia, Austrália, e outros países da América Latina, ela quer assegurar terras que garantam o alimento de sua enorme população e crescente classe média.

A compra de terras brasileiras por chineses a priori não é um problema. Essa questão se torna problemática caso seja o Estado chinês, e não livre iniciativa chinesa, comprando terras. Caso a compra seja feita por interesses do Estado chinês, para garantir que a compra, posse, uso das terras seja feita conforme seus interesses, a agenda política do Estado chines acaba se tornando relevante, e pode influenciar politicamente nossos governantes. Nesse caso o custo de se comprar politicamente os nossos senadores e deputados é muito baixo relativo ao poder de barganha de um fundo soberano chinês. Outro ponto sensível é a possivel restrição dos chineses quanto a nossa re-industrialização. Sabemos que temos matéria prima abundante e a custo baixo e, caso nos re-industrializarmos, isso nos tornaria não só menos dependentes do comércio chinês, como também em possíveis concorrentes.

A China tem feito investimentos bilionários em infraestrutura ao redor do globo. Através do projeto conhecido como “One belt, one road”, ou um cinturão, uma rodovial, a China está criando a versão 2.0 da Rota da Seda. Com um investimento da casa de US$ 900 bilhões, os chineses estão investindo em rodovias, portos, aeroportos e toda sorte de estrutura de deslocamento e escoamento de mercadorias.

Eles fazem porque são bonzinhos? Não. É aí que está o grande porém. Junto com a carta de investimento em uma nação, ou uma linha de crédito especial, a China entrega uma série de pré-requisitos ou garantias a serem seguidas. Ou seja, ao colocar dinheiro chines em uma nação, o governo socialista chinês está também determinando regras e condutas a serem seguidas. Em linhas gerais, a China usa dinheiro e “crédito fácil” para comprar governos.

Outro grande porém é no objetivo desse projeto. A China quer criar uma nova rota de escoamento entre seu mercado interno e outros países, facilitando assim o transito de commodities e material transformado. No longo prazo, isso criará uma dependência comercial inquebrável entre países em desenvolvimento e a China, que será a maior parceira econômica dessas nações. É a conquista de uma Grande China, feita não com a espada, mas com a carteira.

Uma coisa que tem segurado a expansão chinesa é a América Latina como barreira geográfica. O trafego marítimo comercial e militar entre o Atlântico e o Pacífico deve ser feito pela Patagônia, ao sul, o que aumenta o custo e o tempo, ou através do Canal do Panamá, controlado pelos Estados Unidos. Como forma de ganhar competitividade, e também cortar os americanos da equação, os chineses estão investindo na construção de um segundo canal, desta vez na Nicarágua.

Brasil e os Estados Unidos

O Brasil poderia ter sido o maior parceiro comercial e industrial dos Estados Unidos desde 1980. Poderíamos ter obtido o mesmo benefício ofertado à China nos últimos 40 anos, mas a cabeça tingida de vermelho de nossas lideranças impediu que isso acontecesse. Imperaram as “teorias de dependência”.

Qual rumos devemos tomar? O zelo pelos nossos interesses é o começo. O segundo passo é formar um governo com pessoas experientes em negociação internacional.

Deve ficar claro que no jogo internacional nenhuma lei estabelece autoridade. Os únicos instrumentos que valem são a força política e a força econômica.

Infelizmente o atual Império da Mediocridade, que governa o Brasil há muitos anos, nos coloca em segundo plano nesse jogo.

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