Artigo

Democracia na Venezuela? Só quando a população e a oposição se organizarem

Escrito por

Luiz Philippe de Orleans e Bragança

Democracia na Venezuela? Não sem que a oposição e a população se organizem

A Venezuela está em chamas em busca de uma saída, assim como todo país emergente que se entregou aos apelos atrativos do socialismo e populismo e seus diversos planos sociais e benefícios insustentáveis. A população envereda em uma trilha de migalhas que se estreita gradativamente e, quando finalmente percebe o perigo da armadilha, não tem mais espaço para manobrar e voltar atrás, pois finalmente perceberam que não há democracia (leia meu artigo: O Brasil é uma ditadura ou uma democracia?) na Venezuela.

As recentes mobilizações na Venezuela, que escala gradativamente para uma guerra civil, e um possível racha dentre os militares de lá, assinalam somente para duas opções, ambas ruins:

1) A ditadura de Maduro fica ainda mais sangrenta
2) Um grupo dissidente do governo Maduro toma o poder e cria uma nova ditadura

Sim, as opçoes são tão limitadas que somente um grupo dissidente e rival das forças nacionais de Maduro são capazes de depor o próprio Maduro nesse momento. E não por vias pacíficas e legais.

E a democracia na Venezuela?

Essa no curto e médio prazo se torna cada vez mais impossível. Os quase vinte anos de chavismo e os últimos anos, com o endurecimento do governo, levaram a classe média praticamente à extinção. Isso é relevante? Sim. Sem classe média há poucas chances para uma democracia se firmar. Além disso a intervenção do Estado aniquilou qualquer resquício de imprensa livre, assim como não há mais judiciário independente. Na Venezuela não existe mais eleições, e o governo não respeita as leis e nem mesmo a constituição criada pelo próprio regime. Todos esses fatores impedem a criação de uma terceira via legítima e democrática, pelo menos uma com chances de ocupar o poder e encerrar a ditadura de uma vez por todas.

Preocupa também a visão política da oposição, ou a falta dela, melhor dizendo. Apesar dos esforços valorosos no combate nas ruas, ainda não vimos uma oposição com uma visão politica capaz de galvanizar a vontade popular. Só vemos povo negar o que existe mas sem exigir uma nova visão. Povo que não sabe como articular suas posições de maneira clara e direta acaba quase sempre com “o que der e vier”. Ser oposição é tarefa difícil, pois é preciso mais do que só brigar com o governo nas ruas para forçar uma ruptura: Tem de criar uma opção viável. O que podemos esperar de uma oposição que sequer consegue consolidar um plano de governo? Que ela termine com uma ditadura de quase 20 anos que acabou com quase todos os direitos de um povo? Improvável.

Venezuela e a Primavera Árabe

Esse quadro me faz lembrar da sucessão de eventos da Primavera Árabe no Egito em 2011. Há seis anos os mobilizadores egípcios clamavam por democracia e o fim da ditadura do Mubarak. No inicio, as mobilizações foram espontâneas, mas conforme o movimento ganhava volume, diversos partidos políticos e movimentos se infiltraram querendo direcionar a indignação popular para suas pautas. A Irmandade Islâmica aproveitou esse ímpeto, se infiltrou e lançou Mohamed Morsi como seu candidato para suceder ao líder egípcio.

Com a queda de Mubarak, por uma junta militar, a primeiras eleição livre da ditadura foi apertada. 56% dos egípcios votaram em candidatos secularistas, mas Morsi se popularizou dentre os 42% que votaram para candidatos teocratas, que tinham como diretriz de governo a religião islamica, tornando-se o candidato mais forte no segundo turno. No final, o resultado prático para os egípcios foi pior, já que substituíram um ditador por outro muito mais perigoso, um que queria implementar uma teocracia islâmica.

Essa tentativa de instaurar uma ditadura religiosa levou os egípcios novamente às ruas, e em 2013 o exército foi compelido a depor o Morsi, o teocrata. Já no ano seguinte, o militar responsável por depor Mubarak, Abdel Fattah, decretou que todos os partidos de oposição eram entidades terroristas. Não é de se estranhar que ele, Fattah, tenha sido eleito na sequência com mais de 90% votos, já que não havia sequer a opção de um candidato moderado que não fosse um teocrata.

Os egípcios foram às ruas por não quererem viver em uma ditadura, mas desde 2014 eles populam uma espécie de autocracia disfarçada, muito próxima ao que existia antes com Mubarak. É certo que o povo egípcio não queria uma nova versão do antigo ditador, assim como não queriam uma teocracia islâmica como a de Morsi. Como não havia uma opção disponível que respondesse às vontades de todos, acabaram ficando o que era possível. Como dizia Otto von Bismarck, “a política é a arte do possível, do atingível…”

Para que a Venezuela e seu povo evite cair nesse eterno paradigma, é preciso que primeiro criem as opções ideais para seu futuro para só depois tentar torná-las possíveis, devendo ser bem específicos e introspectivos quanto a que tipo de modelo e líderanças elas querem promover.

Ao Brasil fica a mesma lição. A real liberdade de qualquer povo depende do esclarecimento e da iluminação de sua sociedade e de seus ativistas. Devemos trabalhar por alternativas de virtude e fazer de tudo para torná-las possiveis, evitando-se assim entrar no velho paradigma brasileiro: “Se só tem tu, vai tu mesmo”. Se criarmos opções ideais teremos chances do atingir o impossível.

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